quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Conveniência das farmácias

A Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que as farmácias, a partir de hoje, vendam apenas medicamentos e produtos de higiene pessoal, coloca em debate diversas questões, entre elas, a eficiência dos agentes de mercado, a ética do livre comércio e a capacidade de regulação e controle do mercado por parte do Estado Brasileiro. Tais questões estão no centro da atividade econômica e não necessariamente seguem percursos convergentes.

Sob a perspectiva das farmácias tipicamente inseridas na categoria de pequenas empresas, que possuem pequeno capital de giro e estrutura operacional reduzida, a decisão da Anvisa é um verdadeiro bálsamo. Ela resgata, mesmo que restrita, a possibilidade de maior competição em um segmento de mercado cujo nível de concorrência acirrou-se substancialmente na última década.

Para farmácias de maior porte ou inseridas em redes locais ou regionais, por outro lado, a determinação da Anvisa é sinônimo de franco retrocesso e diminuição de faturamento. A venda de produtos de conveniência tornou-se parte importante da estratégia de relacionamento com o mercado e as levou a um reposicionamento perante os consumidores. O conceito de farmácia como conhecíamos antes, não existe mais já faz algum tempo. Tanto é que, de modo bizarro, tais farmácia, especialmente aquelas que funcionam no regime de 24 horas por dia, muitas vezes recebem telefonemas durante a madrugada com pedidos para a entrega não de medicamentos, mas sim de refrigerantes, sorvetes e biscoitos, entre outros diferentes produtos de conveniência.

A decisão da Anvisa procura reafirmar que o foco de mercado das farmácias é, ou deveria ser, a venda de produtos farmacêuticos e de higiene pessoal. Ocorre que o mercado é dinâmico, produz e reproduz novas formas de interação e comercialização, as quais não são equânimes. Parte da eficiência do mercado, e também da sua ineficiência, decorre dessa dinâmica – é o típico caso da incorporação de produtos de conveniência ao mix de produtos das farmácias. A ação de regulação e controle do mercado por parte do Estado, portanto, não deveria ser flagrantemente tão morosa.

A grande indústria de produtos de conveniência, que curiosamente ainda não veio à baila nesse debate, certamente não está satisfeita com a Resolução da Anvisa. A efetivação da medida implicará em significativa redução no número de pontos de venda para os produtos da indústria e, consequentemente, em menor volume de negócios. Produtos de conveniência, em geral, oferecem reduzida margem de lucro individual e precisam de grande giro de estoque para se tornarem rentáveis para quem os vende. Logo, as farmácias tornaram-se importantes agentes para a indústria de produtos de conveniência, mesmo a despeito do dissabor inicialmente causado em quitandas e supermercados.

Diante dessa situação, há que se avocar princípios éticos que deveriam balizar a venda de produtos de conveniência por farmácias. A regulação e o controle do Estado, definindo, por exemplo, subcategorias de produtos de conveniência passíveis de comercialização pelas farmácias, e não todo e qualquer produto, pode ajudar nesse sentido. Seria uma forma de não obscurecer o fato de que para os consumidores a existência de inúmeros pontos de venda de produtos é um ótimo negócio, pois proporciona comodidade e rapidez para a aquisição do que precisam, seja um medicamento ou um produto de conveniência. Nesse caso teríamos não farmácias de conveniência, mas sim a conveniência das farmácias.

Referências Conexas

BARROS, José A. C. Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos. Revista de Saúde Pública, v. 17, n. 5, p. 377-386, 1983.

MONTE, Edmar F.; SOUZA FILHO, José C. de. Varejo de medicamentos no Brasil: uma visão comparativa com a tendência mundial. In: III SEMEAD - SEMINÁRIOS DE ADMINISTRAÇÃO (1998: São Paulo). Anais ... São Paulo: FEA-USP, 1998.

PEREIRA FILHO, Edson. Proibição de conveniências divide o setor farmacêutico. O Diário do Norte do Paraná, Maringá, 11 fev. 2010. Zoom, p. A3.

VIEIRA, Francisco G. D.; CRUBELLATE, João M.; SILVA, ILse G.; SILVA, Wânia R. Silêncio e omissão: aspectos da cultura brasileira nas organizações. RAE– Eletrônica, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2002.

7 comentários:

  1. Giovanni, eu ia escrever um post justamente sobre esse assunto, mas vou tentar complementar esse excelente material com algumas considerações minhas.

    É notório que, enquanto eu gerenciava uma indústria de adoçantes, nosso crescimento médio de venda em farmácias foi de 22% contra 5% em supermercados, considerando-se as mesmas redes, não novos pontos de vendas, no camparativo anual.

    É sabido também que esse crescimento não se aplicou apenas em nossa indústria, pois segundo pesquisas de revistas supermercadistas, diversos segmentos de consumo diário cresceram mais no ramo "outros estabelecimentos" (mais conhecido como "conveniências") do que em Hiper e supermercados.

    Isso significa que os supermercados grandes e de compra demorada, mal localizados e de difícil acesso para quem enfrenta o trânsito das grandes capitais, estão fora de moda não é de hoje. Esse processo de compra rápida no caminho para casa já vem crescendo de uns 5 anos para cá.

    Essa determinação da ANVISA tem cheiro de lobby supermercadista, pois é descabida por argumentos óbvios:

    1 - Os produtos de conveniência comercializados não oferecem risco ao consumidor;
    2 - Os mesmos produtos não descaracterizam o objetivo original das farmácias, que é oferecer produtos relacionados à saúde, inclusive consumo e higiene pessoal;
    3 - Os produtos comercializados, caso causem alguma dúvida ao consumidor, ainda podem receber algum esclarecimento técnico-científico de um profissional da saúde disponvel nas farmácias.

    Ao contrário de procurar chifre em cabeça de cavalo, os ministérios brasileiros deveriam se ater ao canibalismo supermercadista, onde poucos gigantes estão engolindo pequenas redes, tirando a competitividade de venda de pequenos supermercados, comprando redes e incorporando à sua política demolidora de negociação frente às indústrias, que estão com suas margens cada dia mais reduzidas por serem obrigadas a fazer negócio com os poucos que dominam o Brasil inteiro e suas absurdas condições de compra e acordos comerciais que só favorecem uma das partes: a do supermercado.

    Portanto, essa atitude covarde contra as farmácias é fruto da ingerência de alguns e da análise mesquinha de quem não consegue ver o todo para preservar o livre comércio e livre concorrência de mercado.

    Aliás, as grandes redes de supermercado do Brasil também já possuem redes de farmácias próprias, e se descuidar, daqui a pouco vão tentar dominar esse mercado lesando também a margem dos laboratórios farmacêuticos.

    São apenas considerações pessoais para apimentar a discussão... rsrs

    Gramde abraço, meu querido mestre!
    Adriano Berger

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  2. Caro Adriano,

    concordo com sua opinião no que diz respeito ao cheiro de Lobby supermercadista, pois é notório o poder dessa indústria no comércio brasileiro. No entanto, acredito que também devemos considerar que as farmácias são estabelecimentos que prestam Serviços de Saúde, e não apenas empresas que atuam em segmentos comerciais.
    Nesse sentido, ao discutir esse tema não estamos falando apenas de vendas de balas, pizzas e sorvetes como, também, de vendas de produtos que colocam sob "negociação" a saúde dos indivíduos e da coletividade. Portanto, concordo com a medida da anvisa de limitar a mercantilização nas farmácias, pois poderíamos criar um sério de risco de associação de medicamentos com os produtos de conveniência, aumentando práticas de "empurrômetros", bem como de automedicação dos indivíduos. Saliento, contudo, que também não concordo com venda de medicamentos em supermercados. Como diria minha avó: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ou seja, farmácia é farmácia e supermercado é supermercado. Cada um em seu quadrado.....

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  3. Perfeitas colocações, caro amigo, obrigado por contribuir.

    De fato, mesmo sendo favorável ao comércio de gêneros alimentícios nas farmácias, concordo que a recíproca não é verdadeira, como você bem citou, de vender medicamentos em supermercados, onde faltará a pessoa de um especialista para melhor conduzir o cliente em suas necessidades.

    Grande abraço!
    Adriano

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  4. Olá Professor Giovanni e colegas do blog,

    Penso que essa discussão é muito relevante. Na minha opinião as farmácias podem sim disponibilizar para seus clientes alguns tipos de produtos além dos medicamentos.

    Já passei por situações que precisei de um produto (lasanha), no domingo e os supermercados mais próximos estavam fechados e recorri à farmácia.

    Mas apesar de ter solucionado meu problema, encontrando o que eu precisava de forma imediata, acho que as farmácias não deveriam vender esses tipos de produtos, como alimentos, bebidas.

    Com certeza para o cliente, essa conveniência é positiva, mas em muitos casos (como dessa mesma farmácia que citei) podem ocorrer abusos, como a venda de carvão... Acreditem, é verdade!

    Bom, como vocês comentaram, a melhor solução é ponderar os tipos de produtos que são realmente convenientes para a venda nas farmácias e que o clientes possam ser beneficiados com isso.

    Até mais

    Fernanda Gabriela

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  5. Mais um palpite, dessa vez inspirado na Fernanda, talvez as farmácias devessem proceder igual aos postos de combustível, separando a conveniência da área de comércio original do estabelecimento.

    Se bem que na área interna das farmácias isso já ocorre. O atendimento farmacêutico é separado por vidros, dividindos os ambientes de conveniência e medicamentos.

    Definitivamente, acho qua a ANVISA está cometendo um equívoco envolvendo-se nesse assunto.

    Abraços!

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  6. Como profissional da área farmacêutica, gostaria de ponderar algumas coisas. Como pode um estabelecimento de prestação de serviços de saúde vender Sinvastatina (medicamento destinado a diminuição do colesterol) e vender bolachas recheadas que é pura gordura hidrogenada? Vende-se metformina e doces de todos os tipos? Um hipertenso comprando "salgadinhos" e captropil (medicamento hipertensão)? É complicado você pensar que um estabelecimento de promoção a saúde estimula práticas de consumo que vão contra a principal finalidade das farmácias e, principalmente, aos próprios produtos que seriam o objetivo de consumo nesses estabelecimantos. É um contrasenso.
    Bem, fica uma sugestão: que tal as farmácias fazerem um parceria para vendas de produtos naturais e de higiene pessoal e cosméticos? Que é mais "conveniente" para a saúde das pessoas. Afinal, essa tão discutida "convência" é realmente conveniente para quem?

    Abraços e fica a dica para a anvisa.

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  7. Sobre o ponto de vista farmacêutico, não vejo impecilho em vender medicamentos de um lado e alimentos do outro. Há pessoas que têm colesterol, diabetes e pressão alta, mas outras que não têm.

    Da mesma forma, alguns produtos vendidos nas farmácias podem parecer altamente prejudiciais, tóxicos e até nocivos à saúde e ao meio ambiente se mal utilizados, como tinturas de cabelo, acetonas, esmaltes e batons com chumbo na formulação. Também há os remédios sem receita que são reconhecidamente nocivos e viciantes, como alguns descongestionantes nasais.

    Aliás, se a saúde for o principal foco do negócio, a prática de venda de medicamentos bonificados não deveria existir, e isso sim deveria ser coibido pela ANVISA, pois manipula-se a venda de produtos específicos para ganho de um "caixinha extra" justamente onde a saúde das pessoas está em jogo, muito mais perigoso do que a compra espontânea de biscoitos, chocolates ou refrigerantes por alguém com colesterol.

    Portanto, acho que vender conveniência não chega a ser antagônico com a missão farmacêutica. O mercado já está aberto e liberalizado a muito tempo...

    Abraços!
    Adriano

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