domingo, 30 de dezembro de 2012

De frente para o mar


O Brasil possui um território extenso e diverso. De quase tudo tem um pouco em termos de topografia e clima. No entanto, quando se trata de viagem em férias, os brasileiros praticamente só pensam no litoral. Férias é sinônimo de praia.

Deu no InfoMoney que 7 das 10 cidades brasileiras mais procuradas por turistas em períodos de férias são litorâneas. Pela ordem, as cidades mais procuradas são: Porto Seguro, Maceió, Fortaleza, Natal, Gramado, Rio de Janeiro, Florianópolis, Balneário Camboriú, Foz do Iguaçu e Caldas Novas.

Curiosidade: quatro entre as 7 cidades à beira-mar ficam no Nordeste, uma no Sudeste e duas no Sul; duas dessas cidades estão entre as mais populosas do país: Rio de Janeiro e Fortaleza, respectivamente a segunda e quinta cidades de maior população.

O mar, ou aquilo que está relacionado à costa marítima, parece mesmo exercer um fascínio incomum. Porém, é bem provável que parte dessa procura pelo litoral se deva à ação de agentes – experts, agências de viagens, operadoras, companhias de transporte e de serviços de hotelaria – que atuam no mercado de turismo.

Esse post compõe uma série chamada "Web News". Trata-se de observações acerca de notícias relacionadas a cultura e consumo publicadas na World Wide Web.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Décio Pignatari: um poeta concreto


A poesia brasileira, que é esquecida e não faz parte da lista de consumo para o Natal, despediu-se no dia de ontem de Décio Pignatari. Poeta concreto, intelectual inquieto e avesso ao lugar-comum, Décio Pignatari ofereceu considerável contribuição à literatura brasileira. Após seus escritos e teorizações, a partir dos anos 1950, juntamente com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, a cena poética paulista e brasileira nunca mais foi a mesma.
 
Em saudação a sua memória, posto abaixo o poema Fio que eu escrevi tempos atrás sob influência do concretismo.


                                                 FIO

                                                   I

                              barulho seco    disparo
                                                     estilhaço
                              estado de        choque
                                                     partida
                              barulho cheio  velocidade
                                                     batida
                              estado de        choque
                                                     esforço
                              a vida num      traço
                                                    traça-se
                              a vida num      fio
                                                    tece-se

                                                 II

                                       re traça vida
                                                    davi
                                                    vida re fia
                                                    davi
                                           traço vida
                                                    davi
                                                    vida     fio

domingo, 25 de novembro de 2012

Degustação de uísque

É bastante comum associar bebidas a um país e vice-versa. Os ingredientes que nelas são usados, o modo de preparo e como são servidas, entre outros aspectos, ajudam muito a entender os hábitos, valores e códigos culturais de uma determinada região geográfica. O uísque, considerado símbolo nacional da Escócia, é uma das bebidas que se tornaram referência de um povo e de um lugar.
 
Encontrado atualmente em todo o mundo, o uísque é motivo de orgulho para o escocês, que procura oportunidades de tentar diferenciá-lo e mostrar o quão especial é a produção da bebida em suas terras de origem. A degustação pública, no âmbito de restaurantes, é um expediente usado nesse sentido, especialmente por parte de pequenos produtores locais e regionais.
 
Obs.: a foto acima é de uma degustação de uísque no Restaurante Horsemill, Castelo Crathes, cidade de Banchory, Escócia.
 
Esse post compõe uma série chamada "Nota de Viagem". Trata-se de observações realizadas durante viagens.

domingo, 4 de novembro de 2012

Entre sombras e cortinas

Tão próximos, mas tão distantes. Assim são os moradores dos inúmeros prédios residenciais existentes nas cidades. Eles experimentam a condição de ter do outro lado da parede ou do outro lado da rua pessoas que não passam de meros estranhos.
 
Cada vez mais construídos com menor distância entre um e outro, os edifícios são responsáveis por boa parte das dimensões materiais do espaço social. Concepções de produtos e estruturas de consumo, bem como hábitos de convivência no cotidiano derivam diretamente da configuração desses imóveis.
 
A princípio construídos apenas nos centros das cidades, hoje os edifícios adentram áreas de bairros residenciais e do entorno das cidades. Refletem o crescimento econômico, mas também indicam uma escolha por um determinado modelo de ocupação do espaço urbano.
 
O total do financiamento imobiliário em todo o país até o mês de outubro foi de R$ 80,2 bilhões. Segundo a Caixa Econômica Federal esse valor supera em 32,6% o valor concedido em período semelhante do ano passado. O efeito multiplicador desse volume de recursos para a economia é algo fenomenal, mas não há como obscurecer o caráter predatório da construção civil e a especulação de terrenos em áreas urbanas e na definição de tamanhos e formatos de imóveis.
 
A ocupação do espaço urbano por meio dos edifícios tem feito com que cada vez mais estejamos vivendo fisicamente perto uns dos outros. Trata-se apenas de uma proximidade disfarçada. A rigor, essa forma de produção da vida social revela claramente que vivemos de modo alheio uns aos outros. Uma vida entre sombras e cortinas.
 
Referências Conexas
 
Berker, T. (2011). Domesticating spaces: sociotechnical studies and the built environment. Space and Culture, 14(3), p. 259-268.
 
Low, S. M.; & Lawrence-Zúñiga, D. (2003). The anthropology of space and place: locating culture. Oxford: Blackwell Publishers.
 
McCarthy, C. (2005). Toward a definition of interiority. Space and Culture, 8(2), p. 112-125.
 
Shadar, H.; Orr, Z.; & Maizel, Y. (2011). Contested homes: professionalism, hegemony, and architecture in times of change. Space and Culture, 14(3), p. 269-290.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Maldito Futebol Clube


Imagine como tirar um time do fim da tabela da segunda divisão e levar esse time ao posto de campeão. Melhor ainda, suponha conduzir esse mesmo time não apenas a vencer o campeonato da segunda divisão, mas também a ser campeão da primeira divisão – posto máximo do futebol no país. Agora considere tudo isso em meio a uma boa porção de confusão e discussões sobre futebol-arte versus futebol-força, catimba e pressão sobre a arbitragem. Tudo isso está presente ao longo de 97 minutos em Maldito Futebol Clube, filme britânico de 2009, com roteiro de Peter Morgan, dirigido por Tom Hooper. Além de todos esses aspectos há, ainda, uma visada sobre um processo de tentativa de mudança e definição de hábitos e valores dentro de um grupo. O personagem central desse processo, e do filme, é Brian Clough, muito bem interpretado pelo ator Michael Sheen.
 
Brian Clough foi um personagem real, técnico do Derby Count, e durante anos contou com a excelente ajuda de Peter Taylor (Timothy Spall) como seu assistente. Eles fizeram história no Derby Count e no futebol inglês. O maior rival de Clough foi Don Revie (Colm Meaney), técnico do Leeds United, clube que posteriormente Clough chegou a dirigir, mas onde experimentou um duro revés. Essa rivalidade serve como uma espécie de pano de fundo para o filme.
 
O futebol é o esporte de maior consumo e o mais amplo item de entretenimento e lazer em nosso país. Embora o filme objeto deste post se passe na Inglaterra, ele tem um caráter universal. Vale a pena assisti-lo e observar especialmente como são construídas e articuladas algumas das dimensões desse entretenimento por trás dos bastidores. Inclusive no que se refere ao papel da imprensa, sempre crítica de tudo e de todos, mas raramente criticada.
 
Esse post compõe uma série chamada "Filme". Trata-se de sugestões de filmes.
 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O encanto pela “nova classe média” brasileira

É praticamente impossível passar ao menos uma semana sem se deparar com alguma notícia ou matéria de caráter especial publicada pela imprensa sobre a chamada nova classe média. Ela está na TV, nos jornais, no rádio e nas revistas, em uma profusão de informações poucas vezes percebida. É quase que como se o país estivesse tentando se redimir de sua histórica concentração de renda.
 
É curioso esse fenômeno. Poderíamos nos perguntar: a quem interessa toda essa atenção? Afinal, não se trata exatamente de um debate público sobre a distribuição de renda ou sobre o processo de mobilidade econômica experimentado nos últimos anos no país.
 
Certamente, a mídia, empresas de consultoria, instituições de ensino e pesquisa, bem como a indústria editorial, possuem grande interesse em torno da ideia de uma nova classe média. Embora pouca gente perceba, até o Governo Federal, por meio da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, tem considerável interesse na nova classe.
 
Mas quem é ela? Não há uma resposta simples para essa pergunta. Algo que deveria estar claro, mas ainda não está, é o fato de que o conceito em questão se refere à classe de rendimento econômico e não à classe social – que é outro conceito e envolve aspectos vinculados à identidade e ocupação social. Além disso, falta unicidade no tratamento à nova classe média, especificamente em torno dos valores de rendimento econômico que a define.
 
Como ela é constituída? Para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, pertencem à nova classe média famílias com renda per capita de R$ 291 a R$ 1.019, havendo três subgrupos nessa faixa de rendimento: a baixa classe média, a média e a alta classe média. Já a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) considera como nova classe média as famílias que possuem uma renda mensal entre R$ 714 e R$ 1.541, incluindo-se aí uma variação do que a ABEP entende como classes D, C2 e C1. Por outro lado, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas considera que nova classe média é aquela que tem um rendimento mensal familiar entre R$ 1.064 e R$ 4.561.
 
Como se percebe, não há uma convergência a respeito do que se chama de nova classe média. Governo, empresas e instituições de ensino e pesquisa não têm a mesma compreensão do que ela seja, mas possuem grandes interesses a seu respeito. Nesse sentido, embora os interesses sejam difusos, há um fio que de alguma maneira os une. O conceito de classe média é útil para o mercado e para a construção de inúmeros significados em torno do consumo, bem como é vantajoso para o governo na definição de políticas públicas e, sobretudo, no uso midiático de comunicação social. De uma forma bastante direta, tem-se a compreensão simples, porém funcional e utilitarista, de que ser classe média é bom. Afinal, classe média não é classe baixa!
 
Um aspecto de menor glamour, porém bastante real, e sobre o qual pouco se fala, diz respeito ao nível de comprometimento da renda familiar no Brasil. O endividamento das famílias bateu novo recorde em junho. Naquele mês, um total de 22,38% da renda familiar destinou-se ao pagamento de dívidas. Considerando-se que a nova classe média praticamente não possui renda discricionária, qual é, efetivamente, o poder de compra e consumo da nova classe média?
 
Referências Conexas
 
Castilhos, R. B. (2007, setembro). Subindo o morro: consumo, posição social e distinção entre famílias de classes populares. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 31.
 
Hemais, M. W.; Casotti, L. M.; & Rocha, E. P. G. (2010, setembro). Hedonismo e moralismo no incentivo ao consumo na base da pirâmide: discussão para a proposta de uma agenda inicial de pesquisa. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 34.
 
Karnani, A. (2008). Help, don’t romanticize, the poor. Business Strategy Review, 19(2), p. 48-53.
 
Nogami, V. K. da C.; & Vieira, F. G. D. (2012, setembro). Reflexões acadêmicas e de mercado para o marketing na base da pirâmide. Anais do Encontro Nacional de Estudos do Consumo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 6.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Abandono de produtos como forma de anticonsumo

Os estudos publicados no campo de cultura e consumo nos reportam fenômenos de consumo e procuram analisá-los em inúmeros eixos temáticos, desdobramentos teóricos e situações empíricas. Em geral, tais estudos abordam o processo de aproximação, aquisição, posse, uso e incorporação de objetos materiais. São pouco frequentes, ou até mesmo raros, estudos, dentro do próprio campo, que tratam de abandono de produtos ou anticonsumo. Publicado recentemente, o artigo “Motivações e significados do abandono de categoria: aprendizado a partir da investigação com ex-fumantes e ex-proprietários de automóveis” (Cadernos EBAPE.BR, v.10, n. 2, p. 411-434, 2012), de autoria de Maribel Suarez, Marie Agnes Chauvel e Letícia Casotti, de algum modo procura preencher essa lacuna. Tomando como referência para análise duas categorias de produtos, automóvel e cigarro, o artigo destaca e diferencia três tipos de abandonos: o abandono contingencial, o posicional e o ideológico. Trata-se de uma ótima contribuição no sentido de melhor entendermos como o anticonsumo pode ocorrer por meio do processo de abandono de produtos.
 
 
Marie Agnes Chauvel
 
 
Uma das autoras do artigo, a Professora Marie Agnes Chauvel, deixou-nos no último mês de julho. Francesa radicada no Brasil desde jovem, Marie realizou sua formação acadêmica em nosso país. Trabalhou como assistente e analista na área de administração em empresas brasileiras e foi professora e pesquisadora de instituições como a UFRJ, o IBMEC, a Universidade Estácio de Sá, o ISAE/FGV, a PUC-RJ e a Universidade Federal de São João Del-Rei. Escreveu vários artigos e orientou dezenas de trabalhos acadêmicos. Marie era uma referência em estudos sobre consumo no Brasil e sua ausência será sentida.

Esse post compõe uma série chamada "Olhar Acadêmico". Trata-se de observações sobre trabalhos na forma de artigos, dissertações, teses ou livros relacionados direta ou indiretamente ao campo de cultura e consumo.

domingo, 22 de julho de 2012

Telefone celular como identidade

Se você não possui um celular você não existe! Simples assim. Todos perguntam a todos: qual o número do seu celular? Hoje em dia é quase que impossível preencher algum cadastro ou fazer alguma inscrição sem que se seja instado a fornecer o número de um telefone celular. O celular adquiriu representações e ganhou significados que transcendem a sua condição material: tornou-se uma espécie de documento, uma identificação pessoal. Tal condição, que é recrudescida devido ao uso do celular ocorrer de forma individual e não coletiva – como em um telefone convencional –, termina por ser constrangedora para pessoas que não possuem celulares, pois são tratadas como se fosse imperativo possuir um número. Por outro lado, há aquelas pessoas que usam aparelhos telefônicos com dois ou mais chips e, portanto, possuem mais de um número, que intrepidamente perguntam: você quer o número de qual operadora? Nesse caso, para fazer jus a sociedade pós-moderna, há várias identidades.
 
Referências Conexas
 
Horst, H., & Miller, D. (2006). The cell phone: an anthropology of communication. Oxford: Berg Publishers.

Miller, D. (1987). Material culture and mass consumption. Oxford: Blackwell.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tequilada

Quando, de algum modo repercutindo o que antes apresentara Stephen Brown, os pesquisadores Fuat Firat, Nikhilesh Dholakia e Alladi Venkatesh escreveram sobre a sociedade pós-moderna e as experiências a ela relacionadas em termos de mercado, cultura e consumo, suponho que por mais que eles tenham pensado na centralidade do consumo para diferentes realidades de comunidades, eles não fizeram ideia de uma cena como essa da Tequilada na imagem acima: uma garçonete servindo tequila na boca de inúmeros clientes na casa noturna Happy News na cidade de São Paulo. Deu na Folha de S. Paulo! A música embala, a presença da garçonete ajuda e, embora poucos se conheçam, o frenesi por um gole de tequila é o que conta. Não é preciso muito para perceber que se trata de uma experiência que desconstrói consideravelmente noções anteriores a respeito de consumo em casas noturnas.

Esse post compõe uma série chamada "Web News". Trata-se de observações acerca de notícias relacionadas à cultura e consumo, publicadas na World Wide Web.

domingo, 15 de julho de 2012

Criatividade na apresentação de produtos orgânicos

 

Durante muitos anos produtos orgânicos ficaram à margem e constituíram um mercado pouco conhecido e valorizado. Por serem produzidos em menor escala, sobretudo por meio de agricultura familiar, e terem uma distribuição restrita, quase sempre tiveram um preço maior do que seus similares não orgânicos e durante um bom tempo foram tidos como sinônimo de produtos caros, tendo pouca demanda. Essa situação mudou consideravelmente hoje em dia. Embora não existam dados precisos, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) estima que o consumo de produtos orgânicos cresça a uma taxa de cerca de 10% ao ano.


É natural que o aumento no consumo dos produtos orgânicos seja resultado de inúmeros fatores. Um deles, no entanto, parece estar vinculado à compreensão por parte dos produtores de que não basta que o produto seja saudável, é preciso, também, que ele seja agradável aos olhos. É isso, por exemplo, que produtores têm procurado fazer ao estimularem o consumo por meio de uma melhor apresentação dos produtos. E ao fazerem isso, não reinventam a roda, mas antes procuram usar elementos de cultura material que são referências para os consumidores, como é o caso da alface embalada em forma de um arranjo de flor nas fotos que fiz para este post, logo acima.
 
Referências Conexas
 
Camilo, A. N. (Ed.). (2011). Guia de embalagens para produtos orgânicos. Barueri: Instituto de Embalagens.
 
Miller, D. (Ed.) (1998). Material cultures: why some things matter. Chicago: University of Chicago Press.
 
Motta, S. L. S., & Rossi, G. B. (2001). A influência do fator ecológico na decisão de compra de bens de conveniência. Revista de Administração Mackenzie, 2(2), p. 109-130.
 
Portilho, F. (2008, junho). Consumidores de alimentos orgânicos: discursos, práticas e auto-atribuição de responsabilidade socioambiental. Anais da Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, BA, Brasil, 26.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Artes e poesia no metrô

Não há livros de poesias em vitrines de livrarias. Se há, é fato raro, quase que único na paisagem das compras. E se a poesia não é consumida em caráter privado, por meio dos dispositivos de entrega convencionais do mercado, ela é consumida – ou oferecida ao consumo – em público.

Foi isso que aconteceu com “O Mistério O Tempo em Poesias”, exposição de caráter multimodal do artista Cacau Brasil, instalada na Estação Ipanema, Metrô Rio. O curioso é que como se fosse para fazer jus a sua proposta multiforme e de “não lugar”, tendo em vista o fato de ser itinerante, a exposição localizou-se entre duas importantes referências geográficas cariocas: a Praia de Ipanema e o Morro do Cantagalo.

Obs.: a foto acima é de um painel na Estação General Osório, Metrô Rio, em Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil.

Esse post compõe uma série chamada "Nota de Viagem". Trata-se de pequenas observações realizadas durante viagens.

domingo, 8 de julho de 2012

Preconceitos da propaganda contra idosos

Dentro de poucos anos o Brasil não será mais um país jovem. Pouco se fala nisso, mas segundo dados do IBGE, 11% da população brasileira atual tem 60 ou mais anos de idade e esse percentual tende a aumentar a cada ano que passa. Conforme projeções do IBGE, divulgada após o mais recente Censo, em 2050 serão 65 milhões de idosos.

Esses dados colocam em perspectiva uma situação curiosa: pelo menos por enquanto, os idosos brasileiros não conseguem se ver nas propagandas veiculadas no país. Idosos possuem renda, consomem inúmeros produtos e serviços, mas quando os publicitários de plantão usam suas imagens associadas a práticas de consumo, em geral as usam para colocá-los, no máximo, como coadjuvantes. Em algumas situações, usam imagens que até mesmo causam constrangimento ou os ridicularizam, como nas propagandas da cerveja de marca Nova Schin na televisão ou do UOL em revista – no primeiro caso dois jovens são perseguidos por idosas e no segundo uma idosa demonstra lentidão no uso de equipamento eletrônico.

Em uma sociedade que valoriza a juventude e que tanto cultua a estética do corpo, como será a propaganda nos próximos anos? Idosos continuarão a ser ignorados, como se não existissem, não fizessem parte da população e não consumissem? O país do futuro está envelhecendo, mas, aparentemente, ainda não percebeu.

Referências Conexas

Camargo, L. O. de L., & Bueno, M. L. (2008). Cultura e consumo: estilos de vida na contemporaneidade. São Paulo: Senac.

Debert, G. G. (2003). O velho na propaganda. Cadernos Pagu, 21, p. 133-155.

Moschis, G. P., Mosteller, J., & Fatt, C. K. (2011). Research frontiers on older consumer’s vulnerability. Journal of Consumer Affairs, 45(3), p. 567-491.

Ursic, A. C., Ursic, M. L., & Ursic, V. L. (1986). A longitudinal study of the use of the elderly in magazine advertising. Journal of Consumer Research, 13(1), p. 131-133.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Cheiro do Ralo

Não há sociedade sem materialidade. Os objetos que usamos e que estão presentes em nosso cotidiano representam essa condição. Compõem a cena doméstica – inclusive a paisagem urbana. Na maior parte do tempo, passam despercebidos e são lembrados quando necessários. Nesses casos, recebem sentidos, ganham significados e até se tornam símbolos. É algo inerente à cultura material.

O filme O Cheiro do Ralo (Brasil, 2007, Comédia/Drama, 112 minutos), direção de Heitor Dhalia, roteiro de Lourenço Mutarelli, Marçal Aquino e Heitor Dhalia, com Selton Mello e Paula Braun, revela de forma ímpar a transversalidade da cultura material em nosso cotidiano. Tal revelação ocorre de forma dolorosa por meio da transferência de posse dos objetos, que é algo central no enredo do filme. De modo estarrecedor, o filme trata de valor material, valor monetário e valor simbólico.

Trata-se de oportunidade para se observar significados que atribuímos aos objetos ao tê-los sob nossa posse e uso. É, também, uma ótima ocasião para verificar aquilo que outros lhe atribuem quando colocados em perspectiva de troca e comercialização e não apenas de uso. Dito de outra maneira, é uma excelente oportunidade para assistirmos de que maneira construímos e transferimos significados para os objetos – poderia até servir de ilustração para algumas das obras de Daniel Miller ou Grant McCracken.

Esse post compõe uma série chamada "Filme". Trata-se de sugestões de filmes.

domingo, 1 de julho de 2012

A bobagem da pegada ecológica


A Rio +20 terminou, muito se discutiu e mais uma vez, longe das atribuições de responsabilidades aos Estados membros da ONU (Organização das Nações Unidas), várias organizações que defendem a sustentabilidade voltaram suas baterias para o indivíduo, especificamente para o consumo de recursos naturais por parte dos indivíduos e, por conseguinte, de suas famílias. A capacidade que organizações como, por exemplo, a WWF (Fundo Mundial para a Natureza) possuem para responsabilizar o consumidor individual pelas condições do planeta, muitas vezes beira a falta de bom senso. As relações de consumo entre consumidores individuais e organizações empresariais, em termos de capacidade de agência, são absolutamente assimétricas. Atribuir, portanto, a responsabilidade pela salvação do planeta ao consumidor individual é algo, sem sombra de dúvidas, inócuo!

Na tentativa de mensurar e, por conseguinte, responsabilizar o consumo individual pelo uso de recursos e pela condição de sustentabilidade do planeta, a Global Footprint Network criou, tempos atrás, uma forma de calcular o que chamam de pegada ecológica. Trata-se de mensurar o quanto de recursos naturais cada indivíduo consome e qual é o impacto desse consumo – ou do estilo de vida do indivíduo – sobre o meio ambiente.

Mais importante, e necessário, seria focar sobre o consumo de recursos por parte de organizações empresariais – companhias nacionais, multinacionais e transnacionais – e o impacto sobre o meio ambiente decorrente desse consumo. Os vestígios ecológicos que consumidores organizacionais deixam são enormes e terminam por definir o tamanho e a intensidade das pegadas dos consumidores individuais.
 
Referências Conexas
 
Maia, G. L. &Vieira, F. G. D. (2004). Marketing verde: estratégias para produtos ambientalmente corretos. Revista de Administração Nobel, 2(3), p. 21-32.
 
Oliveira, J. S. & Vieira, F. G. D. (2008). Produção simbólica e sustentabilidade: discutindo a lógica da salvação da sociedade pela mudança nos modos de consumo. Caderno de Administração (UEM), 16(2), p. 35-43.

sábado, 16 de junho de 2012

Consumo do trânsito no Brasil

Pedestres, ciclistas, motoqueiros, motoristas. Transportes individuais, transportes coletivos. Avenidas, ruas, vielas, becos. Espaços públicos, democráticos, igualitários por excelência. É o que se supõe! A rigor, o consumo do trânsito enquanto ato de deslocamento, transporte, trabalho ou lazer, nega a igualdade, estabelece uma hierarquia e prioriza a individualidade. É o que se depreende a partir da leitura do ótimo livro “Fé em Deus e pé na tábua – ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil”, escrito pelo antropólogo Roberto DaMatta com a colaboração de João Vasconcellos e Ricardo Pandolfi, publicado em 2010 pela editora Rocco. O consumo do trânsito no cotidiano brasileiro separa os que estão em perigo – pedestres – e os que pretensamente estão protegidos – aqueles a bordo de veículos. A vestimenta da couraça do veículo no trânsito reforça o traço cultural brasileiro de construir hierarquias no espaço público – algo do tipo “se você não sabe com quem está falando, saia do meio senão eu lhe atropelo”. Por outro lado, o famoso jeitinho, embora seja também aplicado às condições e situações do trânsito, tem os seus limites perante um sinal vermelho. Até é possível desconsiderar o sinal e não parar, mas isso pode significar um risco para a própria vida. O fato é que o consumo do trânsito apenas revela a falta de discernimento quanto à condição coletiva do espaço público, bem como a enorme dificuldade para se cumprir regras em nosso país.

Esse post compõe uma série chamada "Olhar Acadêmico". Trata-se de observações sobre trabalhos acadêmicos na forma de artigos, dissertações, teses ou livros relacionados direta ou indiretamente ao campo de cultura e consumo.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O garçom do futebol e o autoconsumo do individualismo


O futebol é, antes de tudo, um esporte coletivo. Há diferentes funções exercidas por cada um dos membros da equipe e diversas formações táticas em que cada uma das funções tem importância para a conquista da vitória. É curioso como ao longo do tempo, em diferentes lugares, mas especialmente no Brasil, o artilheiro, o jogador que faz o gol, tornou-se o mais importante ou pelo menos o mais valorizado da equipe.

Não quero dizer aqui, a exemplo do que afirmou um ex-técnico da Seleção Brasileira de Futebol, que o gol é apenas um detalhe. Mas o fato é que se forjou o artilheiro como superior aos demais membros da equipe. Em alguns casos, esse mesmo artilheiro, que em geral é o centroavante, também consegue driblar o adversário e obter performances plásticas que encantam a torcida do seu clube.

Na música “É Uma Partida de Futebol”, gravada pela banda mineira Skank, Samuel Rosa e Nando Reis afirmam que o centroavante é o mais importante. Mas dizem, por outro lado, que é no meio-campo que estão os craques e que são eles os regentes que levam a equipe para o ataque. É notável tal condição. O centroavante é o mais importante, mas aparentemente não o seria se não fosse o trabalho do craque – aquele que prepara a jogada para o gol.

Narradores e comentaristas de futebol, ao se apropriarem do espetáculo proporcionado pelo futebol ao longo das transmissões de rádio e TV, criaram a figura do garçom do futebol: aquele jogador que dá o último passe para que o artilheiro faça o gol. Pela posição ocupada em campo e pela armação da jogada, o que a crônica chama de garçom é, em grande parte das ocasiões, o craque do time.

Ocorre que poucas coisas são tão díspares na mídia quanto os comentários dos analistas de futebol. Ademais, o sentido que empregam à palavra garçom não é, necessariamente, um sentido que coloque o craque em pé de igualdade ao artilheiro. O garçom, enquanto categoria, ou o trabalho do garçom, como expressão de condição social, não são objetos de glamour e não fazem parte da sociedade do espetáculo. Já o artilheiro, o homem-gol, faz.

Ora impulsionado pela exaltação da crônica esportiva, ora inebriado pela sua própria vaidade, o artilheiro, em geral, não sabe compartilhar, é avaro – o popular fominha – e não reconhece a jogada do craque. Para constatar, basta olhar como ele corre sozinho na comemoração do gol, invariavelmente em direção oposta àquela de quem lhe deu o passe para a finalização – o craque, chamado de garçom. É o autoconsumo do individualismo. A negação do trabalho coletivo no momento mágico da comemoração do gol.

Referências Conexas

Bajde, D. (2006). Other-centered behavior and the dialetics of self and other. Consumption Markets & Culture, 9(4), p. 301-316.

Campos, R. B. C. (2004). Sociedades complexas: indivíduo, cultura e o individualismo. CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, (7), p. 8-22.

Kellner, D. (2003). A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo. Líbero, 6(11), p. 4-15.

Retondar, A. M. (2007). A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado, 23(1), p. 137-160.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Nudez em Nova York

Parece não haver nada impossível em Nova York. Inclusive a nudez do corpo, compartilhada em público, na forma de arte, como elemento de cenário para a literatura, teatro e fotografia. Imagem explícita, para entretenimento, deleite e consumo. É assim com o evento “Naked Girls Reading” que conta com informe de temporada e programação no New York Times. É assim, também, com a fotógrafa Erica Simone, como noticia o Daily Mail. No primeiro caso, leituras públicas de obras conhecidas da literatura. No segundo caso, fotografias ambientadas em ruas e avenidas em meio às atividades do dia-a-dia.

Esse post compõe uma série chamada “Web News”. Trata-se de observações acerca de notícias relacionadas à temática de cultura e consumo publicadas na World Wide Web.

domingo, 1 de abril de 2012

O equívoco do Critério Brasil

A adoção de critérios de classificação econômica no Brasil tem uma longa história de desencontros e questionamentos. Se definir um critério padronizado para verificação de classes econômicas já não é tarefa simples, no Brasil torna-se ainda mais complexa. O país é extenso geograficamente, possui regiões com características bastante heterogêneas em termos de produção econômica e emprego de mão-de-obra e tem experimentado mudanças subsequentes no poder aquisitivo e na composição da cesta de consumo da população.

Os primeiros esforços para a definição de um critério único de classificação econômica remontam aos anos 1970 com as ações desenvolvidas pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e, posteriormente, pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME). A ação conjunta dessas duas associações resultou no que durante um bom tempo ficou conhecido como o Critério ABA-Abipeme de classificação econômica. Mais recentemente, especialmente a partir dos anos 2000, ganhou evidência o Critério de Classificação Econômica Brasil desenvolvido e atualizado anualmente pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Em linhas gerais, inclusive do ponto de vista metodológico, esse critério é uma espécie de sucessor dos critérios anteriores.

Embora seja útil para o balizamento de diversas ações relacionadas à produção e consumo de bens e serviços, o Critério Brasil – como ficou conhecido o critério da ABEP – supervaloriza a educação de nível superior no seu cálculo de composição. Na versão mais recente do Critério Brasil, divulgada em fevereiro deste ano, a ABEP continua atribuindo 8 pontos para o curso superior completo dentro da dimensão Grau de Instrução do chefe da família. Desse modo, e considerando as diferentes pontuações na composição do cálculo do Critério, possuir diploma de curso superior completo equivale a dispor de 2 empregadas mensalistas (4 pontos) mais duas máquinas de lavar (2 pontos) e dois aparelhos de freezer (2 pontos).

Provavelmente há algum equívoco nesse cálculo. O ensino superior experimentou uma larga expansão no Brasil a partir da segunda metade dos anos 1990, momento de crescimento na oferta de cursos com formação presencial, e continua a se expandir até os dias de hoje, momento em que tem uma forte oferta de cursos com formação por meio de educação a distância. O que era de acesso difícil e restrito em décadas anteriores, já não é mais. Em outras palavras, há muito mais gente com diploma de curso superior hoje em dia. O efeito colateral é que a formação em curso de nível superior não é remunerada da mesma maneira em que foi no passado.

Desse modo, se a posse de diploma de curso superior não é sinônimo de maior poder aquisitivo, ela também não representa maior capacidade de consumo e, consequentemente, condição de pertencimento a uma classe econômica mais elevada como propõe o Critério Brasil. Ao atribuir 8 pontos para o chefe de família portador de diploma de curso superior no seu cálculo de classificação econômica, o Critério Brasil comete o equívoco de supervalorizar a formação em curso de nível superior como determinante de poder aquisitivo.

Em um momento em que tanto se fala sobre consumo na baixa renda, base da pirâmide, mobilidade sócio-econômica e classe C no país, vale a pena observar mais de perto como são definidos os critérios de classificação econômica.

Referências Conexas

Mattar, F. N. (1995). Análise crítica dos estudos de estratificação sócio-econômica de ABA-Abipeme. Revista de Administração, 30(1), p. 57-74.

Santos, J. A. F. (2005). Uma classificação socioeconômica para o Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20(58), p. 27-46.

terça-feira, 27 de março de 2012

Comércio (e consumo) de órgãos humanos

A vida é um drama. Não necessariamente com um final feliz. Milhares de pessoas precisam e esperam a doação de algum órgão, como rim, fígado, córnea, para a realização de transplantes e tentativa de prolongar o tempo de vida. Nem sempre, contudo, as doações acontecem. Isso faz com que se discuta sobre, e pressione para, a liberação do comércio de órgãos humanos.

Há vários anos - mais de uma década -, tem-se tentado promover um debate sobre essa questão. A liberalização do comércio legitimaria o consumo de órgãos humanos por humanos. Os defensores do livre comércio, liberais em essência, acreditam que a comercialização de órgãos resolveria uma série de problemas e ajudaria a salvar vidas. Aqueles que são contra argumentam, principalmente, que um comércio dessa natureza ultrapassaria limites do ponto de vista moral e induziria pessoas sem rendimento econômico a se mutilarem para vender seus próprios órgãos, como o rim.

A rigor, qualquer que seja a posição que se venha a ter sobre essa questão, ela envolve uma lógica perversa de construção e formatação de um mercado que, antes de mais nada, atende aos interesses das indústrias médica, hospitalar e farmacêutica.

Obs.: a foto acima é de um outdoor na Estação de Metrô Queensway, localizada em Bayswater Road, Londres, Inglaterra.

Esse post compõe uma série chamada “Nota de Viagem”. Trata-se de um conjunto de pequenas observações realizadas durante viagens.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Triste dia do consumidor

Por:  Francisco Giovanni Vieira*  e  Alexandre Faria**

O dia é do consumidor individual, mas talvez não tenhamos muitos motivos para comemorar. Grandes empresas e organizações do governo continuam fazendo muito mais barulho acerca da importância do consumidor e sobre quanto o valorizam, do que de fato agem concretamente nesse sentido.

O problema não é somente as empresas privadas. As agências de regulação, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), para citar algumas, não têm desempenhado a contento o papel para o qual foram criadas. O consumidor individual costuma ficar desamparado devido à falta de fiscalização efetiva dessas agências governamentais, enquanto os consumidores organizacionais ficam cada vez mais fortes. Os Procons procuram fazer o contrapeso defendendo o consumidor individual, mas não conseguem de modo efetivo. Grandes companhias que são campeãs nos rankings de reclamações e que sabem fazer valer seu poder quando agem como consumidoras organizacionais perceberam que é mais simples e prático pagar multas – isso quando o governo consegue multá-las – do que cumprir rigorosamente os contratos ou ouvir o consumidor individual. A relação entre as organizações privadas e governamentais e o consumidor individual continua amplamente assimétrica.

O mito da soberania do consumidor individual, difundido há mais de cinquenta anos e reforçado no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor, já há muito não se sustenta. Empresas de alimentos reduzem diuturnamente o tamanho das embalagens e, por conseguinte, o peso e a quantidade dos produtos, praticando, porém, os mesmos preços, e nada acontece. O consumidor individual não é informado com clareza que está pagando o mesmo preço, só que por uma quantidade menor de produto.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por sua vez, tem agido de forma conservadora e geralmente em favor das grandes empresas nos casos e processos de fusão e aquisição empresarial. Isso tem resultado em processos de concentração em diversos setores de mercado, criando, na prática, verdadeiros monopólios disfarçados na economia brasileira. Em nome da eficiência de gestão e de que o Brasil poderá ser mais competitivo em termos de exportação, o consumidor tem menos opções para a compra e passa a depender de um número reduzido de empresas, que abusam de seu poder na oferta e distribuição de produtos extremamente importantes para a sociedade, como alimentos, por exemplo. Nos Estados Unidos e na Europa o quadro não é muito diferente, mas outras forças vêm sendo mobilizadas para contrabalançar as relações de assimetria. No Brasil os obstáculos à concentração de poder e à assimetria ainda são muito precários e, curiosamente, esse quadro ajuda a explicar por que grandes empresas americanas e européias fazem no Brasil o que não fazem em seus países. Por um lado, empresas ficam cada vez mais poderosas como produtoras e consumidoras, por outro lado, o consumidor individual paga o preço amargo.

Em diversas cidades do país, o ato de consumir se tornou uma verdadeira aventura a céu aberto. O consumidor encontra falsas ofertas e promoções em que a redução dos preços é coisa para inglês ver; grande número de vendedores mal gerenciados, treinados e preparados para exercerem um bom atendimento; estacionamentos com preços exorbitantes e flanelinhas ilegais que atentam contra a segurança; restaurantes cujos exaustores não funcionam e de onde se sai praticamente defumado após as refeições; ruas sem iluminação suficiente e dezenas de avenidas sem um único semáforo para o consumidor-pedestre que vai às compras.

Embora controverso, é necessário avançar no entendimento da relação entre consumo e cidadania, especialmente no que diz respeito ao consumidor individual. Quando o consumidor é a grande empresa ou o governo, o quadro é bem diferente. Será que o dia do consumidor será comemorado somente por consumidores organizacionais (grandes empresas e organizações do governo)? E o consumidor individual? De fato, há mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor a nossa vã imaginação.

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* Francisco Giovanni Vieira é professor e pesquisador da UEM.

** Alexandre Faria é professor e pesquisador da EBAPE-FGV.

Obs.: os autores agradecem os comentários do Prof. Reginaldo Dias (UEM) ao texto inicial desse post.

domingo, 11 de março de 2012

Moça com Brinco de Pérola

Holanda, Século XVII. Um pintor em dificuldades financeiras (Johannes Vermeer). Uma empregada doméstica (Griet) que de repente passa a ser sua assistente no estúdio e, mais que isso, torna-se modelo de um dos seus quadros mais importantes. Uma sogra dominadora que controla as finanças da casa (Maria Thins). Uma esposa enciumada que mais serve como peça de decoração (Catharina Bolnes Vermeer). Um jovem açougueiro que se apaixona pela empregada (Pieter). Um mecenas de moral questionável (Peter Van Rujven). Esses são os elementos que compõem o enredo de um belo filme que aborda a criação, em 1655, de uma obra ímpar das artes plásticas e que hoje está exposta no Museu Mauritshuis, na cidade de Haia.

Moça Com Brinco de Pérola (Reino Unido/Luxemburgo, 2003, Biografia/Drama, 99 minutos, 12 anos), direção de Peter Webber, roteiro de Olivia Hertreed, com Scarlett Johansson (Griet), Colin Firth (Johannes Vermeer), Tom Wilkinson (Peter Van Rujven), Cillian Murphy (Pieter), Judy Parfitt (Maria Thins), Essie Davis (Catharina Bolnes Vermeer) e Joanna Scalan (Tanneke), é repleto de imagens, sombras e luzes, absolutamente incomuns no mundo do cinema, com fotografia e enquadramentos que fazem não piscar os olhos.

Além de nos brindar com sua riqueza fotográfica, esse filme nos dá a possibilidade de observar que boa parte dos quadros que hoje em dia são considerados geniais, de alguma maneira, a princípio, foi meramente uma forma de prover o sustento da família e garantir a sobrevivência. Naturalmente, isso em nada diminui a genialidade artística neles contida. Mas, desmistifica e contextualiza, a um só tempo, o universo da arte como um universo de consumo.

Esse post compõe uma série chamada “Filme”. Trata-se de sugestões de filmes.

domingo, 4 de março de 2012

Memória esquecida

Dizem que brasileiro esquece facilmente amanhã o que aconteceu hoje. Talvez por conta disso o Brasil seja considerado um país sem memória. Fato ou lenda urbana, uma forma de verificar essa condição pode se dar por meio da quantidade de museus existentes no país, bem como do comportamento que as pessoas têm quanto à iniciativa em visitá-los.

A propósito, quantas pessoas adultas você conhece que mencionaram ter visitado um museu nos últimos meses ou anos? Passeios em museus ficaram restritos às atividades das escolas com professoras do ensino fundamental e médio. O consumo em torno de museus no nosso país é algo quase que inexistente, seja por programas de visitação ou por aquisição de suvenir.

A sociedade moderna cultua o novo. A própria imprensa, ávida por audiência, produz e reproduz esse comportamento em suas páginas, portais e programas ao dar largo espaço para o efêmero como as tais celebridades ou os lugares da moda. É lamentável ver que museus como, por exemplo, o Museu do Ipiranga, localizado na cidade de São Paulo, não sejam valorizados ou lembrados à altura da importância que possuem para a memória do país.

Obs.: a imagem acima, à esquerda, é do Museu do Ipiranga, também conhecido como Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

Referências Conexas

Fitchett, J. A. & Saren, M. (1998). Baudrillard in the museum: the value of dasein. Consumption, Markets & Culture, 2(3), p. 311-335.

Ieda Tucherman, I. & Cavalcanti, C. C. B. (2010). Museus: dispositivos de curiosidade. Comunicação, Mídia e Consumo, 7(2), p. 141-158.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Consumo e coleções de marcas

Não é raro conhecermos alguém que colecione alguma coisa. Quem não conhece, ao menos já ouviu falar. Alguns colecionadores alardeiam suas coleções aos quatro cantos enquanto outros se mantêm em silêncio e agem de forma bastante discreta. Em qualquer um dos casos, o comportamento do colecionador é um forte impulsionador do consumo de objetos materiais. Inúmeras empresas almejam ter suas marcas não só consumidas, mas especialmente adquiridas para coleção. A pesquisadora Olga Maria Coutinho Pépece lança um olhar sobre esse fenômeno por meio do texto “Estilo único? Durabilidade? Edições exclusivas? O que uma marca precisa ter para ser colecionada”, que é um dos capítulos que compõem o livro “Consumo: Práticas e Narrativas”, organizado por Kathia Castilho e Sylvia Demetresco, publicado em 2011 pela Estação das Letras e Cores. Em seu texto, a pesquisadora trata de diferentes possibilidades que movimentam o ato de colecionar e fornece pistas que ajudam a entender como determinadas marcas transcendem o mero consumo e se tornam objeto de coleção.

Esse post compõe uma série chamada “Olhar Acadêmico”. Trata-se de breves observações realizadas sobre trabalhos acadêmicos na forma de artigos, dissertações, teses ou livros relacionados direta ou indiretamente ao campo de cultura e consumo.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Por quê consumimos tão pouco peixe?

Na última quarta-feira, definida no calendário gregoriano como quarta-feira de cinzas, iniciou-se o período chamado de quaresma. Muitos cristãos católicos se abstêm do consumo de carne nesse período e incluem ou ampliam a presença de peixe na dieta. Isso faz com que cresça o consumo de peixe no país.

O evento da quaresma não só aumenta como ajuda a compor a estatística relativa ao consumo de 9kg de peixe por habitante ao ano em nosso país. Tal consumo per capita representa apenas 75% do que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera ideal, ou seja, 12kg/habitante ao ano.

Se levarmos em conta que o Brasil tem um litoral com uma extensão de mais de 7.400 km e que possui uma grande quantidade de rios, torna-se surpreendente a observação de como consumimos pouco peixe. Isso, apesar de o peixe ser associado a uma dieta saudável e de o Brasil ter algo bizarro como um Ministério da Pesca e Aquicultura.

Referências Conexas

Bombardelli, R. A., Syperreck, M. A. & Sanches, E. A. (2005). Situação atual e perspectivas para o consumo, processamento e agregação de valor ao pescado. Arquivos de Ciências Veterinárias e Zoologia da UNIPAR, 8(2), 181-195.

Coelho, A. B., Aguiar, D. R. D. de & Fernandes, E. A. (2009). Padrão de consumo de alimentos no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 47(2), 335-362.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Principais reclamações dos consumidores

Que empresas receberam o maior volume de reclamações dos consumidores no ano de 2011 em todo o Brasil, conforme registros do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça ? A resposta é a seguinte: Itaú (1), Oi (2), Claro-Embratel (3), Bradesco (4) e Tim-Intelig (5). Conforme informações divulgadas pelo Ministério da Justiça, os principais problemas envolvidos nas reclamações dizem respeito a: cartão de crédito (1), telefonia celular (2), banco comercial (3), telefonia fixa (4) e aparelho celular (5).

Esse post compõe uma série chamada “Web News”. Trata-se de observações realizadas acerca de notícias relacionadas à temática de cultura e consumo publicadas na World Wide Web.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Onde estão os biombos dos bancos?

Vários municípios brasileiros possuem legislação regulamentando e obrigando o uso de biombos por parte dos bancos na frente dos caixas em atendimento interno e em áreas onde os clientes fazem saques de dinheiro. A ideia é preservar a privacidade dos clientes e fazer com que não sejam identificados por pessoas estranhas que possam acompanhar o que fazem nos caixas, especialmente se sacam dinheiro em espécie. Isso dificulta que outras pessoas possam monitorá-los e posteriormente assaltá-los.

Os bancos são pródigos em levantar a bandeira da sustentabilidade, falar em respeito e em cidadania, além de consumo consciente. Tudo um engodo! Não cumprem integralmente simples legislações municipais. Preferem pagar multas. Os assaltos nas saídas dos bancos continuam e o consumidor continua desprotegido. A favor dos bancos conta o fato de os consumidores de serviços bancários serem muito comportados (ou necessitados).

Referências Conexas

Henry, P. C. (2010). How mainstream consumers think about consumer rights and responsibilities. Journal of Consumer Research, 37(4), 70-687.

Holmlund, M. & Kock, S. (1996). Relationship marketing: the importance of customer-perceived service quality in retail banking. The Service Industries Journal, 16(3), 287-304.