É praticamente impossível passar ao menos uma semana sem se
deparar com alguma notícia ou matéria de caráter especial publicada pela
imprensa sobre a chamada nova classe média. Ela está na TV, nos jornais, no rádio
e nas revistas, em uma profusão de informações poucas vezes percebida. É quase
que como se o país estivesse tentando se redimir de sua histórica concentração
de renda.
É curioso esse fenômeno. Poderíamos nos perguntar: a quem
interessa toda essa atenção? Afinal, não se trata exatamente de um debate
público sobre a distribuição de renda ou sobre o processo de mobilidade
econômica experimentado nos últimos anos no país.
Certamente, a mídia, empresas de consultoria, instituições
de ensino e pesquisa, bem como a indústria editorial, possuem grande interesse
em torno da ideia de uma nova classe média. Embora pouca gente perceba, até o
Governo Federal, por meio da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República, tem considerável interesse na nova classe.
Mas quem é ela? Não há uma resposta simples para essa
pergunta. Algo que deveria estar claro, mas ainda não está, é o fato de que o
conceito em questão se refere à classe de rendimento econômico e não à classe
social – que é outro conceito e envolve aspectos vinculados à identidade e
ocupação social. Além disso, falta unicidade no tratamento à nova classe média,
especificamente em torno dos valores de rendimento econômico que a define.
Como ela é constituída? Para a Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República, pertencem à nova classe média famílias com renda
per capita de R$ 291 a R$ 1.019, havendo três subgrupos nessa faixa de
rendimento: a baixa classe média, a média e a alta classe média. Já a
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) considera como nova classe
média as famílias que possuem uma renda mensal entre R$ 714 e R$ 1.541,
incluindo-se aí uma variação do que a ABEP entende como classes D, C2 e C1. Por
outro lado, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas considera
que nova classe média é aquela que tem um rendimento mensal familiar entre R$
1.064 e R$ 4.561.
Como se percebe, não há uma convergência a respeito do que
se chama de nova classe média. Governo, empresas e instituições de ensino e
pesquisa não têm a mesma compreensão do que ela seja, mas possuem grandes
interesses a seu respeito. Nesse sentido, embora os interesses sejam difusos,
há um fio que de alguma maneira os une. O conceito de classe média é útil para
o mercado e para a construção de inúmeros significados em torno do consumo, bem
como é vantajoso para o governo na definição de políticas públicas e,
sobretudo, no uso midiático de comunicação social. De uma forma bastante
direta, tem-se a compreensão simples, porém funcional e utilitarista, de que
ser classe média é bom. Afinal, classe média não é classe baixa!
Um aspecto de menor glamour,
porém bastante real, e sobre o qual pouco se fala, diz respeito ao nível de
comprometimento da renda familiar no Brasil. O endividamento das famílias bateu
novo recorde em junho. Naquele mês, um total de 22,38% da renda familiar
destinou-se ao pagamento de dívidas. Considerando-se que a nova classe média
praticamente não possui renda discricionária, qual é, efetivamente, o poder de
compra e consumo da nova classe média?
Referências
Conexas
Castilhos, R. B. (2007, setembro). Subindo o morro: consumo,
posição social e distinção entre famílias de classes populares. Anais do Encontro da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 31.
Hemais, M. W.; Casotti, L. M.; & Rocha, E. P. G. (2010,
setembro). Hedonismo e moralismo no incentivo ao consumo na base da pirâmide:
discussão para a proposta de uma agenda inicial de pesquisa. Anais do Encontro da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 34.
Karnani, A. (2008). Help, don’t romanticize, the poor. Business
Strategy Review, 19(2), p. 48-53.
Nogami, V. K. da C.; & Vieira, F. G. D. (2012, setembro).
Reflexões acadêmicas e de mercado para o marketing na base da pirâmide. Anais do Encontro Nacional de Estudos do
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